Coleta de dados por farmácias devem seguir nota da ANPD
ANPD divulga Nota Técnica sobre o tratamento de dados pessoais em farmácias
Devido a diversas denúncias realizadas por titulares de dados pessoais, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinou a realização de estudos exploratórios pela Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa (CGTP) e, recentemente, divulgou a Nota Técnica nº 4/2022/CGTP/ANPD, que traz uma série de constatações sobre o tema.
Leia o sumário executivo da nota:
AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
Brasília, 12 de maio de 2023.
Sumário executivo da Nota Técnica nº 4/2022/CGTP/ANPD e outras providências
Desde 2020, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados está atenta ao tratamento de dados pessoais no setor farmacêutico. Após a constatação do uso de dados biométricos em farmácias, de matérias jornalísticas sobre o condicionamento de descontos ao fornecimento de consentimento em programas de fidelização, bem como do recebimento de sucessivas denúncias de titulares, o Conselho Diretor da ANPD determinou que fosse realizado monitoramento setorial e estudo exploratório sobre o tema pela Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa. Além disso, em reunião deliberativa de 3 de maio de 2023, o Conselho Diretor determinou: i) a instauração de procedimento fiscalizatório pela Coordenação-Geral de Fiscalização; ii) a análise dos limites do consentimento como hipótese legal na concessão de descontos pelo setor, especialmente em programas de fidelização, em cooperação com a Secretaria Nacional do Consumidor; e iii) a verificação de que possíveis medidas orientativas setoriais venham a ser elaboradas pela Coordenação-Geral de Normatização.
A CGTP estudou investigações em curso por outros órgãos, como o Inquérito Civil Público nº 08190.030923/19-55 (MPDFT), a Investigação Preliminar nº 0024.18.002027-3, do (MPEMG) e o Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e a Drogaria Araújo S/A, bem como analisou políticas de privacidade em vigor das principais redes investigadas. Entre 8 de setembro e 15 de dezembro de 2021, a CGTP promoveu diálogos com a Associação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias e Drogarias (Abrafad), Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma), Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) e Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar) com o fim de entender as operações de dados pessoais realizadas pelo setor. A seguir, estão listadas as principais constatações do estudo, que pode ser verificado em sua íntegra na Nota Técnica nº 4/2022/CGTP/ANPD:
1. Foi possível observar práticas de tratamento de dados pessoais que ainda nãoestavam em completa conformidade com a legislação, tais como o tratamentode dados pessoais para finalidades diferentes daquelas indicadas aos titulares,assim como indícios de coleta excessiva de dados pessoais, incluindo dadospessoais sensíveis, com o agravante de que alguns sites institucionais nemmesmo disponibilizavam informações sobre como os dados pessoais eramtratados. Em outros casos, as informações não esclareciam quais dadospessoais eram tratados, nem sob quais condições, nem se eram compartilhadoscom outros agentes de tratamento, somado também à falta de orientação sobreo exercício dos direitos dos titulares ou condições do tratamento.
2. Outra questão de atenção foi o compartilhamento de dados com prestadores de serviços e outros parceiros comerciais, como os responsáveis pelos programas de fidelização, que criam perfis comportamentais em suas interações com clientes, direcionam conteúdos baseados nos padrões de compra de cada titular e permitem que os clientes acumulem e resgatem pontos a partir de suas compras. Constatou-se falta de transparência em relação à disponibilização dessas informações para os titulares, além de que a falta de informação sobre o tratamento dificulta a coleta do consentimento de acordo com o previsto na LGPD. Não são disponibilizadas informações adequadas para permitir ao titular compreender a amplitude do tratamento, sua finalidade, e para entender a consequência do procedimento de se opor ao tratamento de seus dados, muitas vezes sensíveis (como, por exemplo, a coleta de dados biométricos, que nesse contexto pode ser considerada uma prática excessiva).
3. Foi possível concluir que havia baixa maturidade dos agentes de tratamento do setor de varejo farmacêutico no que se refere à proteção da privacidade e dos dados pessoais. É razoável considerar que, em parte das situações, o titular tem sido prejudicado em seu direito à informação, como na diferenciação de preços decorrente de participação nos programas de fidelização, que condiciona o acesso ao valor do produto com desconto, após o fornecimento de dados pessoais – como o número de inscrição no CPF.
4. Ainda que a concessão de benefícios ou a diferenciação específica de preços decorrentes da participação nos programas de fidelização de clientes não seja vedada, pode haver prejuízos ao direito à informação do titular de dados quando a diferenciação de preços decorrente de participação nos programas de fidelização condiciona o acesso ao valor do produto com desconto. Como se sabe, muitas vezes, o valor do desconto só é informado após a comunicação de dados pessoais, como o número de inscrição no CPF, ou seja, quando já ocorre tratamento de dados pela controladora ou operadora a fim de fornecer o desconto. Nesse contexto, a ANPD observa a necessidade de otimização do aprimoramento do diálogo com a Senacon para discussão acerca dos descontos condicionados ao consentimento com o tratamento de dados pessoais.
5. O tratamento de dados biométricos, além de ser pauta da agenda regulatória da ANPD para o biênio 2023-2024, envolveria, necessariamente, um debate e contextualização em um âmbito mais amplo, de aplicação em diversos outros setores para além do farmacêutico. Sua eventual adequação à LGPD exige ponderação de princípios como a necessidade, a finalidade, a adequação e a segurança, presentes no artigo 6º da mesma lei. Além disso, proporcionalmente à sensibilidade dos dados envolvidos no setor farmacêutico, o tratamento de dados biométricos também deveria observar as medidas mínimas de segurança, técnicas e administrativas.
6. É importante aumentar a transparência em relação ao tratamento dos dados pessoais, adotando e respeitando as hipóteses legais e as finalidades informadas aos titulares – sem excessos ou desvios – bem como as medidas de segurança necessárias ao tratamento dos dados que, neste setor, podem ser de natureza sensível.
7. Além disso, é essencial estabelecer uma relação de fiscalização diretamentecom os agentes de tratamento envolvidos nos processos relacionados aomodelo de negócio das farmácias, inclusive os programas de fidelização, e nãosomente com suas entidades representativas, a fim de averiguar em detalhesas condições e as finalidade de cada tratamento, as medidas de segurançaenvolvidas, os níveis de adequação à LGPD, entre outros aspectos de cadaagente de tratamento.
Diante das irregularidades constatadas no tratamento de dados pessoais pelo setor farmacêutico, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados reforça seu compromisso em proteger os direitos dos titulares de dados, garantindo a conformidade das atividades de tratamento com a legislação em vigor. Para isso, a ANPD está realizando ações de monitoramento, fiscalização e normatização. A ANPD também irá trabalhar em conjunto com a Secretaria Nacional do Consumidor para analisar os limites do consentimento como hipótese legal na concessão de descontos e, assim, garantir que os titulares possam exercer seus direitos de forma transparente e eficaz. A ANPD reafirma seu compromisso em proteger os direitos dos titulares de dados e garantir a segurança e a privacidade no tratamento de informações pessoais, inclusive no setor farmacêutico.